segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Espiritualidade: o problema da definição

Citando Droogers[1], “espiritualidade como conceito não existe na ciência da religião. Ela não é uma categoria que os cientistas da religião usam nas suas descrições e nos seus livros de introdução. E a razão parece estar clara: espiritualidade é um conceito cristão cuja definição quase sempre e termos teológicos, incluindo exatamente as pressuposições sobre verdades e objetivos que as ciências da religião querem evitar em suas descrições.”
Tratando-se de espiritualidade como um conceito cristão, três autores (teólogos) precisam ser citados para que a discussão seja ampliada: James Houston[2], Eugene Peterson[3], Henry Nowen[4] e o brasileiro Riccardo Barbosa.[5] Baseado nas propostas de Droogers, e influenciado por estes pensadores, entendemos que a espiritualidade é o tema da agenda religiosa neste período em que estamos vivendo. Em todos os encontros, debates e discussões ela está presente. Não apenas no universo teológico, mas cultural, empresarial e econômico. Todos conversam sobre o assunto, falam de suas experiências, descrevem seu momento espiritual. Empresas preocupam-se com o estado espiritual dos seus executivos, cursos e palestras são oferecidos, livros e revistas especializados no assunto surgem a cada dia. Como diz o Pr. Eugene Peterson, “quando encontramos um grupo de homens conversando sobre colesterol é porque estão preocupados com sua saúde, alguma coisa não vai bem, doutra forma, não conversariam sobre o assunto. Quando vemos e ouvimos muita gente conversando e lendo sobre espiritualidade é um mau sinal, a luz vermelha está acesa, é um tema que preocupa, que não está de todo resolvido, há inquietações”.
            Antes de mais nada é bom lembrar, citando Pr. Ricardo Barbosa, em seu texto “Espiritualidade e Espiritualidades” que “quando falamos de espiritualidade não estamos nos referindo apenas à obra do Espírito Santo, mas também aos movimentos do espírito humano na busca por identidade e significado. Neste sentido podemos falar de espiritualidades. Não se trata de uma realidade, mas de várias, com expressões e formas diferentes”.
            É possível que, nunca vivemos na história um período tão marcado pela busca do sagrado e por uma abertura espiritual como vivemos hoje. Isto se vê mais acentuadamente na cultura ocidental que por pelo menos quatro séculos sofreu uma espécie de “repressão por uma ditadura racional”. O racionalismo determinou o sentido e o significado da realidade humana e, qualquer expressão que não pudesse ser definida pela lógica da ciência, era considerada falsa. “O que vemos hoje não é outra coisa senão uma revolução do espírito humano protestando contra essa repressão sofrida”.
            A segunda metade deste século foi marcada por várias rebeliões e protestos. O movimento “hippie” dos anos 60 e 70 que protestou contra a repressão moral, a guerra do Vietnã, consumismo, levantando a bandeira do amor livre, do uso das drogas, da quebra dos preconceitos e tabus. O movimento feminista que lutou pelos direitos das mulheres, contra uma sociedade machista que não apenas oprimia as mulheres, mas impunha um modelo social masculino. No campo político tivemos a “perestroika” e a “glasnost”, a queda do muro de Berlim, o colapso das estruturas políticas totalitárias e o surgimento do neo-liberalismo com a promessa de uma economia globalizada. O surgimento dos livros de auto-ajuda e a descoberta da inteligência emocional abriu um novo espaço nos centros que até pouco tempo atrás eram dominados pelos tecnocratas. No mundo evangélico tivemos a renovação carismática dos anos 60, o movimento da música “gospel” no final dos anos 80 e 90, e o surgimento das igrejas neo-pentecostais ou pós pentecostais com as promessas de saúde, riqueza e felicidade instantâneas.
            Tudo isto são manifestações de protesto do espírito humano, e o protesto tinha um endereço: a opressão do totalitarismo racional. A cultura moderna gerou um espírito moderno que considerava como verdadeiro somente aquilo que podia ser comprovado cientificamente e compreendido racionalmente. O protesto veio nos dizer que existe uma verdade mais profunda do que a leitura superficial do racionalismo impessoal. Era isto que Pascal protestou quando disse que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.


[1] DROOGERS, Espiritualidade: o problema da definição. In: Estudos Teológicos, n. 23, Vol 2, São Leopoldo, p. 113, 1983.
[2] Escreveu mais de 40 livros, professor por mais de 40 anos e pastor. Entre seus livros podemos citar: HOUSTON, James. Meu legado espiritual. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008.
[3] Escreveu mais de 30 livros , professor por mais de 30 anos e pastor. Entre seus livros: PETERSON, Eugene. Alinguagem de Deus. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2009.
[4] Teólogo, padre, professor de Harvard e Yale, abriu mão de sua vida acadêmica para ser líder espiritual de uma comunidade de doentes mentais. Entre seus livros: NOWEN, Henry. A volta do filho pródigo. São Paulo: Paulinas, 2008.
[5] Teólogo, pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto (Brasília), articulista, escritor. Entre seus livros: BARBOSA, Ricardo. O caminho do Coração. 6. ed. Curitiba: Editora Encontrão, 2011

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