E no último dia, o
grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede,
venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva
correrão do seu ventre. (João 7.37-38)
A Festa dos Tabernáculos era a
maior e mais sagrada festa para os judeus. Um acontecimento popular alegre, com
música, canto e dança. Durava sete dias e celebrava a saída do povo do Egito e
sua peregrinação no deserto, onde a água era escassa. A festa ocorria depois da
colheita. Devido a isso, com o passar dos anos, acrescentou-se a celebração
pela colheita ao significado da festa. Embora não fossem mais peregrinos e tinham
água para as plantações, não a tinham em abundância. Os tabernáculos ou
pequenas choupanas que construíam para a festa ao redor do Templo representavam
as tendas em que viveram durante a peregrinação no deserto, bem como o local
onde o povo celebrava a colheita depois do trabalho, antes de existir o Templo.
Mesmo na terra de Canaã havia tempos de seca; assim, a água sempre teve um
significado vital para a sobrevivência de Israel.
Na Festa havia um ritual em torno
da água. Era um ritual de agradecimento pela água e, ao mesmo tempo, um pedido
por chuvas abundantes para garantir a vida. Ambos, possivelmente, equivaliam ao
pedido pela salvação. Eles não conheciam uma fonte de água que jorrasse sem
parar, sem deixá-los em situação precária frente à perda da colheita e à falta
de água no geral. Ou seja, toda a cerimônia lembrava os tempos difíceis de
escassez de água, as secas, as plantações destruídas e, consequentemente, a
fome. A festa celebrava experiências antigas permeadas de tradição religiosa, lembrando
a forma que Deus abençoava o seu povo.
Nos dias da Festa a cada manhã, os sacerdotes buscavam água na fonte de Siloé, num recipiente de ouro, e com a multidão levavam ao altar, derramando-a em duas bacias de ouro. Isso também acontecia no ápice da festa de uma forma mais grandiosa, no último dia. Para eles, a água simbolizava a abundância nos tempos escatológicos.
Neste exato momento, no dia mais
importante, no ritual mais importante, Jesus se coloca de pé e diz: “Se alguém
tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, do seu interior fluirão rios de
água viva”. Você pode imaginar o impacto que causou as palavras de Jesus? Como
se atreve? Tirar a abundância de água do momento escatológico e dizer que, já
agora, nele há como saciar a sede? No dia mais importante da festa ele aparece,
sai do anonimato, expondo-se à raiva dos que o observam e querem eliminá-lo.
Ele afirma que nem o ritual da água, tampouco o vinho ali bebido matam a sede. Só Ele é quem substitui essa água, e ela está disponível para quem crer nele e em sua proposta. Que não é apenas lá no futuro, mas agora, se crerem haverá abundância.
Jesus, ao se utilizar da água
como comparativo ao seu ministério e vida, está dizendo que assim como a água é
fundamental para a sobrevivência, muito mais, para que aja vida, Ele é
fundamental para que a humanidade possua vida. A vida que Jesus oferece, não é
uma coisa qualquer, é vida abundante, é transformadora. Quem beber desta água
nunca mais terá sede, como Ele explicaria depois a mulher samaritana. Ou seja,
suas necessidades são saciadas, tanto físicas e materiais quanto espirituais.
Aqui cabe uma palavra, podemos não ter tudo o que queremos, mas temos tudo o
que precisamos.
O “beber” da Água viva (Jesus)
gera em nós uma nova vida, novas perspectivas. Trás de volta a comunhão perdida
no Éden pelo ato de desobediência do homem. Jesus proporciona relacionamento
direto com o Pai, o que os rituais da Festa, muito bonitos, mas por si só não
produziam transformação. Aliás, o Deus da Bíblia, o nosso Deus, é o único que é
pessoal. Em nenhuma literatura religiosa de nenhuma religião do mundo você
encontrará um Deus pessoal e relacional.
O milagre da saciedade da sede da
alma gera comunhão com o Pai e faz surgir uma fonte que jorra para a vida
eterna, produz mudança comportamental. Aqui está a questão: ao mesmo tempo em
que esta Água é espiritual nos dando condições de nos relacionarmos com o Pai,
gerando em nós consciência espiritual, também consciência social.
Ao iniciar esse texto disse que Jesus relacionou muitas questões de seu ministério e vida com a criação. Não é panteísmo (Deus é todas as coisas) nem pananteísmo (ele não é, mas está em todas as coisas), mas o fato é que Deus criou todas as coisas e disse que eram boas e colocou o homem para cuidar da Sua boa criação, mas o pecado da desobediência gerou no homem não a capacidade de cuidar, mas de destruir a criação de Deus. Por isso Paulo diz que “toda a criação geme e chora aguardando o dia da sua libertação” (Rm 8.22).
Como novas criaturas, como filhos
amados de Deus restaurados pela fé, temos a obrigação de cumprir o mandato
cultural de cuidar da boa criação de Deus (Gn 2.15), e isso inclui a água, sem
a qual não há vida nesse planeta. Como cristãos, resgatados e cooperadores de
Deus, não podemos ser causadores da destruição da boa criação de Deus. Como
podemos poluir os rios, mares, nascentes? Você consegue imaginar Jesus andando
entre nós e destruindo a sua própria criação? Se ele se comparou a água, com
certeza é porque essa água é boa.
Escrevo esse artigo, para lhe
falar da Salvação e das responsabilidades associadas a ela, Salvação esta que
será concretizada de forma plena no arrebatamento da Igreja, que gera em nós
uma consciência espiritual, mas que não pode amortecer a nossa consciência
social, nos deixando presos a rituais, como foi o caso dos judeus em relação a
Festa dos Tabernáculos, onde a salvação escatológica é representada pelo
ritual. Vivemos neste planeta, esperando sim a completa libertação, onde o que
é “mortal será absorvido pela vida” (2Co 5.1-8), enquanto este dia não chegar
você é responsável por cuidar da Boa Criação de Deus (Jr 29.7).