A Missão da Igreja possui a sua origem em Deus. É Deus que, em seu infinito, amor busca o homem e oferece a salvação. E isso pode ser visto por toda a Bíblia. Não há espaço aqui para tratarmos disso. Contudo, como abril é o mês em que se comemora a páscoa, resolvi escrever alguma coisa sobre a última semana de Jesus. Escrevo para dizer que a páscoa cristã, é diferente da Páscoa judaica; também não tem nada a ver com ovos de chocolate e coelhinhos. A Páscoa do cristão conta a história mais fascinante de todas. Aliais, a história de Jesus é fascinante. Até porque ela é a história da salvação da humanidade. Mas na Sua história, penso que a última semana foi a mais importante. A mais dramática, a mais dolorida, a mais majestosa.
Dos quatro evangelhos, apenas dois mencionam acontecimentos do nascimento de Jesus, todos os quatro oferecem poucas páginas sobre a ressurreição, mas todos os evangelistas dão descrições pormenorizadas dos acontecimentos que levaram Jesus a morte. Diante do ato da morte de Jesus a própria natureza entrou em convulsão: o chão tremeu, as rochas se fenderam, os céus ficaram negros.
Os evangelistas mostram que todo o poder político e religioso colocou-se contra uma figura solitária, o único homem perfeito que já viveu. Mas os evangelistas mostram que Ele estava supervisionando todas as coisas. Jesus vai para Jerusalém sabendo o destino que o aguardava. A cruz foi o seu alvo o tempo todo. Agora com a proximidade da morte Ele dá as ordens.
A entrada triunfal (Jo 12.12-19) – A primeira vista, aqui parece a única ocasião que Jesus não sentiu aversão aos aplausos. A multidão espalhava peças de roupa e galhos de árvores pelo caminho demonstrando a sua adoração. “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!” Jesus repreendeu até mesmo os fariseus que recriminavam os louvores da multidão.
Os sentimentos de Jesus se misturavam. Lucas conta que, quando se aproximavam de Jerusalém Jesus começou a chorar... Não era uma cena para impressionar o império, não era como a chegada do imperador romano.
A última ceia (Jo 13.1-20) – João nos dá a mais detalhada descrição da última ceia (13-17). É nessa ceia que Jesus surpreende os discípulos lavando os seus pés. O interessante é que Ele faz isso e depois diz que confiaria um reino a eles. Que reino era esse? Em Jesus as coisas mudam. O objetivo não é mais chegar e ficar no topo – Jesus era o topo, Rabi, mestre, professor – mas desce até o chão e lava os pés dos discípulos. Jesus inverte a ordem social.
Percebo que nos últimos momentos de sua vida Jesus pediu que fizéssemos três coisas para lembrá-lo 1) batizar os outros como Ele mesmo foi batizado; 2) Lembrarmo-nos da refeição que naquela noite Ele compartilhou com os Seus discípulos e 3) lavarmos os pés uns dos outros. A questão de lavar os pés sempre foi ignorada pelas igrejas cristãs, com exceção de pequenas igrejas que executam o lava pés. Contudo, é certo que mesmo historicamente não temos provas que os discípulos continuaram essa prática.
Nessa mesma noite surge uma discussão entre os discípulos sobre quem é o maior, o instinto de competição aflora. Jesus não corta esse instinto, mas o redireciona. Ele diz: “o maior entre vós seja como o menor; e quem governa seja como quem serve”, foi então que Ele proclamou: “Eu vos confio um reino”.
Em outras palavras, creio que o terceiro item está ligado com o restante da história. O ato de lavar os pés estava demonstrando humildade e servidão. Jesus estava confiando a eles um reino de serviço e humildade. Depois de 2.000 anos seguir o exemplo de lavar os pés dos outros não ficou mais fácil.
A traição (Jo 13.21-29) – No meio de toda essa conversa Jesus complicou o ambiente: um dos doze reunidos ali iria traí-lo. Os discípulos se entre olharam e começaram a interrogarem-se. Jesus toca em um ponto complicado. Creio, e não sou o único, que os discípulos poderiam ter sido procurados pelos inimigos de Jesus para traí-lo. A traição não era algo novo no império, muito pelo contrário.
Na narrativa da última ceia, Judas parece estar em local privilegiado, perto do Mestre e Jesus ainda oferece o pedaço de pão molhado. A tradição afirma que somente um amigo íntimo poderia molhar o pão na sopa do outro. A idéia é: “Judas eu sei que você vai me trair, mas isso não muda quem Eu Sou; Eu continuo sendo Jesus, mas vai fazer depressa o que pretende”. Com Jesus aprendemos que as más atitudes dos outros não pode mudar quem nós somos.
Sabemos o fim da história: Judas traiu Jesus. Mas a traição de Judas não foi muito diferente dos demais discípulos. Pedro negou que conhecia Jesus; outros discípulos sumiram do mapa. Quando ficou claro que tipo de reino Jesus estava implantado, quando viram a cruz, cada um seguiu o seu caminho. Judas não foi o único e nem o último a trair Jesus, mas com certeza foi o mais famoso.
É um grande contraste a história de Judas e de Pedro. Ambos viveram e ouviram as maravilhosas palavras de Jesus, caminharam com o Mestre. Ambos traíram Jesus, Pedro foi restaurado, Judas não. Mas é aqui que tudo se esclarece. Em Judas Satanás entrou, encontrou lugar, Judas sentiu remorso, não se arrependeu. Morreu sem querer aceitar a Jesus que lhe ofereceu o “bocado molhado”, entrando para a história como o maior traidor de todos os tempos. Pedro humilhado, mas aberto a mensagem da graça e perdão de Jesus se arrepende e se torna figura central no início da Igreja.
O Getsêmane (Jo 18.1-11; Mt 26.36-46) – Do cenáculo, onde Jesus estava com seus discípulos, eles saem e se dirigem a um jardim. Tarde da noite, lugar bonito... Logo os discípulos caem no sono. É interessante que parece que para os discípulos nada estava acontecendo, mesmo com todos esses acontecimentos eles dormem em paz. Ao contrário deles, Jesus não sentia essa paz toda. Mateus diz que Ele se entristeceu e angustiou-se profundamente, Marcos acrescenta que Ele começou a ter pavor. Tanto Mateus quanto Marcos registram tristeza e melancolia nas palavras de Jesus: “A minha alma está profundamente triste até a morte. Ficai e vigiai.” É interessante perceber que Jesus sempre se retirava para orar sozinho, mas nessa noite Ele precisava da companhia de seus amigos.
O instinto humano sempre procura alguém para está ao lado nos momentos difíceis, na doença, no leito do hospital, em uma desilusão... Nesse momento decisivo, não só na vida de Jesus, mas na da humanidade, os discípulos falharam. Jesus não disfarça a sua indignação: “Não pudeste vigiar comigo nem uma hora?”.
Uma guerra cósmica estava a caminho. Jesus ora ao Pai: “Se possível afasta de mim esse cálice.” Não foi uma oração poderosa. Ainda acrescenta os evangelistas: “Em agonia, orava mais intensamente. O seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão.” Jesus estava em luta, uma luta que, não muito diferente de mim, ou de você, causava-lhe dor, angústia, a morte se aproximava. Para piorar, Ele estava abandonado. O mundo rejeitara Jesus (a procissão para prendê-lo identifica isso). Os discípulos o abandonaram, nessa grande angústia, talvez pudesse parecer que Deus o havia abandonado, mas logo depois Deus envia um anjo a consolá-lo. Parece que no jardim a tentação do deserto volta. Jesus podia pedir 12 legiões de anjos (72.000) para uma guerra santa. Mas se isso acontecesse não haveria história da Igreja e nem Igreja; nenhum reino haveria que avançaria como semente de mostarda; o reino antes desceria como uma chuva de saraiva de pedra.
Mas como nos diz John Howard Yoder, a cruz, o cálice, que agora parecia tão aterrorizador, foi o próprio motivo por que Jesus veio a terra. Então, conclui Yoder: “Aqui na cruz está o homem que ama os seus inimigos, o homem cuja justiça é maior que a dos fariseus, que sendo rico tornou-se pobre, que dá o seu manto a quem lhe tira a capa, que ora por aqueles que maldosamente abusam dele. A cruz não é um desvio nem um obstáculo no caminho do reino, nem mesmo é o caminho do reino; é o reino que vem.”
Jesus acorda seus discípulos pela última vez e marcha corajosamente no meio da escuridão em direção aos que iriam matá-lo.
Crucificação e Ressurreição (Jo 17.19- 20.31) – A turba na crucificação de Jesus o desafiou a descer da cruz para provar quem era, mas, pelo que parece, nenhuma pessoa imaginou que Jesus ressuscitaria. Mas para os que acreditavam em Deus, os que conheciam as Escrituras, toda essa história fazia sentido. Deus sempre escolheu a maneira mais lenta e difícil, respeitando a liberdade humana. Como cita Yancey: “Deus não aboliu o fato do mal; ele o transformou. Ele não interrompeu a crucificação; ele ressuscitou dos mortos”. O reino está entre nós. Precisamos anunciá-lo.
Pr. Eduardo Leandro Alves
Secretário Executivo de Missões da AD na Paraíba (SEMAD-PB)