terça-feira, 31 de janeiro de 2012



Eugene Peterson escreveu que a “adoração não satisfaz a nossa fome por Deus – ela estimula o nosso apetite. Nossa necessidade de Deus é atendida por intermédio do engajamento na adoração – ela é profunda. Transborda a hora e permeia a semana. A necessidade é expressa em um desejo de paz e segurança. Nossas necessidades cotidianas são mudadas pelo ato da adoração. Não estamos mais vivendo da mão à boca, lutando ambiciosamente na corrida humana rumo ao topo para fazer o melhor que pudermos a partir de uma existência inferior. Nossas necessidades básicas repentinamente se tornam merecedoras da dignidade das criaturas feitas à imagem de Deus: paz e segurança”.

Ao analisarmos o texto bíblico, encontramos palavras com significadas maravilhosos. Entre essas palavras pode-se citar Shalom, paz. Não é possível defini-la apenas olhando o dicionário bíblico, assim como não se pode identificar uma pessoa apenas olhando o número do seu RG. Shalom reúne todos os aspectos da integridade que resultam da realização da vontade de Deus em nós. Ela é a obra de Deus que, quando completa, libera rios de águas vivas em nós e por nós e pulsa com vida eterna. Todas as vezes que Jesus curou, perdoou ou chamou alguém, ele nos deu uma demonstração de paz, shalom.

Uma outra palavra é shalvah, que significa segurança. Ela não tem nenhuma ligação com política de segurança, grandes contas bancárias ou armamentos. Sua raiz significa tempo livre – a postura de alguém que sabe que tudo está bem porque Deus está sobre nós e por nós em Jesus Cristo. Ela é o descanso da pessoa que sabe que todos os momentos de nossa existência estão à disposição de Deus, sob a misericórdia divina.
A adoração inicia uma participação ampla e diária na paz e segurança, de modo que podemos compartilhar em nosso cotidiano aquilo que Deus inicia e continua em jesus Cristo.

Alegrei-me com os que me disseram: "Vamos à casa do Senhor! "
Nossos pés já se encontram dentro de suas portas, ó Jerusalém! 
Salmos 122.1-2

domingo, 29 de janeiro de 2012

A vida que vivemos...


Não começamos a vida sozinhos. Não terminamos sozinhos. A vida, especialmente quando experimentamos pela fé o ato recíproco e complexo da criação e da salvação, não é formada a partir de nossos conhecimentos culturais ou de nossa genética. Ela não é martelada para unir tábuas e pregos de nossos pensamentos e sonhos, nossos sentimentos e fantasias. Não somos autossuficientes. Entramos em um mundo criado por Deus, que já possui uma história rica que já está repleta de participantes comprometidos – um mundo de animais e de montanhas, de política e de religião; um mundo onde pessoas constroem casas e criam filho, onde vulcões expelem lavas e rios desembocam no mar; um mundo no qual, por mais que observemos, enxerguemos e estudemos atentamente, tem coisas surpreendentes acontecendo o tempo todo. Sempre nos surpreendemos porque estamos em algo que está além do nosso controle, algo que está acima de nossas cabeças. Algo criado por Quem está acima de nossa compreensão.

Então, nas palavras de Eugene Peterson, “é na oração nos realizamos e fazemos a nossa parte nesse complexo envolvimento com absolutamente tudo o que existe, não importa o quão distante ele pareça a nós ou quão indiferente sejamos a ele. Esta oração não é um trabalho secundário emocional ou estético ao qual nos entregamos depois que o nosso trabalho verdadeiro foi realizado; antes, ela é o tecido conector de nossa existência dispersa.” O mundo da criação interpenetra o mundo da redenção e o mundo da redenção interpenetra o mundo da criação. Os céus extravagantemente orquestrados e a terra exuberante formada não são o pano de fundo para promover um pouco de beleza sobre o Ser de Deus, antes, eles são a grande beleza na qual encontramos nosso lar, espaço no qual vivemos a cruz de Cristo expansivamente, de coração aberto em louvor.

Nesse espaço de vida, no tempo que Deus reservou para nós dentro da sua extravagante criação que é interpenetrada pela salvação, vivemos o paradoxo da liberdade. Somos livres para escolher, mas obrigados a fazer a escolha. Façamos as escolhas certas, cada um de nós é responsável por suas escolhas. Nesse processo de viver a liberdade e fazer escolhas, a oração é uma ferramenta indispensável para ver além.

Estremeça na presença do Soberano, ó terra, na presença do Deus de Jacó!
Ele fez da rocha um açude, do rochedo uma fonte. 
Salmos 114.7-8

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Profetas ou Marqueteiros?


Pensando sobre algumas práticas, discursos e mensagens de alguns líderes religiosos, descobri pouco do evangelho de Jesus, encontrei mensagens que motivam as pessoas a serem mais “estrelas” do que santos, a verem a Igreja, o evangelho (seria isso mesmo evangelho de Jesus?) como mero shows de entretenimento. Os shows? Os shows não questionam nada, nem promovem nenhuma mudança real na igreja. E o evangelho em tudo isso? E a evangelização? O evangelho é outra coisa. Porém, parece que já não é mais prioridade. A prioridade é a renovação do sentimento religioso, a redescoberta do prestígio sobrenatural do líder e do prestígio social da igreja, como já foi defendido por um famoso teólogo de nosso tempo.

Em muitos aspectos o evangelho entra em conflito, ou até mesmo em contradição com essa realidade que, para muitos, vai se tornando natural. Muitas das lideranças cristãs, no afã de verem as massas lhes seguindo acabam por adaptar a mensagem às demandas desse “mercado religioso”, com isso anunciam o que as pessoas querem ouvir. Nesse caso ocorre uma subordinação da Missão da Igreja à demanda dos consumidores religiosos.

Essa subordinação pode ser entendida como a vitória da lógica do marketing sobre a lógica religiosa ou profética. Na lógica do markenting empresa (ou igreja) procura, em primeiro lugar saber quais são os desejos dos consumidores e a partir disso elabora os seus produtos (bens físicos, simbólicos ou discursos), para atender esses desejos. Enquanto que na lógica profética procura-se conhecer primeiro a vontade de Deus, ou a verdade a ser alcançada através de uma iluminação e depois se anuncia essa verdade mesmo que ela entre em conflito como desejo da maioria da população. Os profetas sempre denunciam o que há de errado na sociedade, nas instituições religiosas e na vida das pessoas e anunciam a esperança de um novo porvir, de uma alternativa possível. Talvez por isso, que, via de regra, os profetas aos olhos humanos “sempre se deram mal”. Elias foi ameaçado de morte, assim como Eliseu, Jeremias foi preso, Daniel traído... a lista seria longa se fossemos tratar de todos, inclusive os discípulos que sofreram martírio, os cristãos primitivos da igreja, etc.

A mensagem do evangelho sempre andou na contra-mão do sistema. Nunca agradou a maioria, sempre questionou, por isso éramos (somos?) chamados de protestantes. Profetas protestam contra o pecado, corrupção, exploração, abuso do nome de Deus. Denunciam o pecado de uma sociedade consumista que quer um Deus apenas para atender as suas necessidades temporais. Jesus pode atender as necessidades temporais (não se nega isso), contudo, está mais interessado em salvar a alma, pois ela não deixa de existir, não pode ser destruída.

Senhor, precisamos urgentemente de profetas neste século XXI!! Porém, quando eles anunciarem as suas Palavras, não nos deixe apedrejá-los, nem trancafiá-los, nem expulsá-los. Que nossos corações sejam compungidos no temor ao único Deus, soberano, salvador e galardoador daqueles que O buscam.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Espiritualidade: o problema da definição

Citando Droogers[1], “espiritualidade como conceito não existe na ciência da religião. Ela não é uma categoria que os cientistas da religião usam nas suas descrições e nos seus livros de introdução. E a razão parece estar clara: espiritualidade é um conceito cristão cuja definição quase sempre e termos teológicos, incluindo exatamente as pressuposições sobre verdades e objetivos que as ciências da religião querem evitar em suas descrições.”
Tratando-se de espiritualidade como um conceito cristão, três autores (teólogos) precisam ser citados para que a discussão seja ampliada: James Houston[2], Eugene Peterson[3], Henry Nowen[4] e o brasileiro Riccardo Barbosa.[5] Baseado nas propostas de Droogers, e influenciado por estes pensadores, entendemos que a espiritualidade é o tema da agenda religiosa neste período em que estamos vivendo. Em todos os encontros, debates e discussões ela está presente. Não apenas no universo teológico, mas cultural, empresarial e econômico. Todos conversam sobre o assunto, falam de suas experiências, descrevem seu momento espiritual. Empresas preocupam-se com o estado espiritual dos seus executivos, cursos e palestras são oferecidos, livros e revistas especializados no assunto surgem a cada dia. Como diz o Pr. Eugene Peterson, “quando encontramos um grupo de homens conversando sobre colesterol é porque estão preocupados com sua saúde, alguma coisa não vai bem, doutra forma, não conversariam sobre o assunto. Quando vemos e ouvimos muita gente conversando e lendo sobre espiritualidade é um mau sinal, a luz vermelha está acesa, é um tema que preocupa, que não está de todo resolvido, há inquietações”.
            Antes de mais nada é bom lembrar, citando Pr. Ricardo Barbosa, em seu texto “Espiritualidade e Espiritualidades” que “quando falamos de espiritualidade não estamos nos referindo apenas à obra do Espírito Santo, mas também aos movimentos do espírito humano na busca por identidade e significado. Neste sentido podemos falar de espiritualidades. Não se trata de uma realidade, mas de várias, com expressões e formas diferentes”.
            É possível que, nunca vivemos na história um período tão marcado pela busca do sagrado e por uma abertura espiritual como vivemos hoje. Isto se vê mais acentuadamente na cultura ocidental que por pelo menos quatro séculos sofreu uma espécie de “repressão por uma ditadura racional”. O racionalismo determinou o sentido e o significado da realidade humana e, qualquer expressão que não pudesse ser definida pela lógica da ciência, era considerada falsa. “O que vemos hoje não é outra coisa senão uma revolução do espírito humano protestando contra essa repressão sofrida”.
            A segunda metade deste século foi marcada por várias rebeliões e protestos. O movimento “hippie” dos anos 60 e 70 que protestou contra a repressão moral, a guerra do Vietnã, consumismo, levantando a bandeira do amor livre, do uso das drogas, da quebra dos preconceitos e tabus. O movimento feminista que lutou pelos direitos das mulheres, contra uma sociedade machista que não apenas oprimia as mulheres, mas impunha um modelo social masculino. No campo político tivemos a “perestroika” e a “glasnost”, a queda do muro de Berlim, o colapso das estruturas políticas totalitárias e o surgimento do neo-liberalismo com a promessa de uma economia globalizada. O surgimento dos livros de auto-ajuda e a descoberta da inteligência emocional abriu um novo espaço nos centros que até pouco tempo atrás eram dominados pelos tecnocratas. No mundo evangélico tivemos a renovação carismática dos anos 60, o movimento da música “gospel” no final dos anos 80 e 90, e o surgimento das igrejas neo-pentecostais ou pós pentecostais com as promessas de saúde, riqueza e felicidade instantâneas.
            Tudo isto são manifestações de protesto do espírito humano, e o protesto tinha um endereço: a opressão do totalitarismo racional. A cultura moderna gerou um espírito moderno que considerava como verdadeiro somente aquilo que podia ser comprovado cientificamente e compreendido racionalmente. O protesto veio nos dizer que existe uma verdade mais profunda do que a leitura superficial do racionalismo impessoal. Era isto que Pascal protestou quando disse que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.


[1] DROOGERS, Espiritualidade: o problema da definição. In: Estudos Teológicos, n. 23, Vol 2, São Leopoldo, p. 113, 1983.
[2] Escreveu mais de 40 livros, professor por mais de 40 anos e pastor. Entre seus livros podemos citar: HOUSTON, James. Meu legado espiritual. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008.
[3] Escreveu mais de 30 livros , professor por mais de 30 anos e pastor. Entre seus livros: PETERSON, Eugene. Alinguagem de Deus. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2009.
[4] Teólogo, padre, professor de Harvard e Yale, abriu mão de sua vida acadêmica para ser líder espiritual de uma comunidade de doentes mentais. Entre seus livros: NOWEN, Henry. A volta do filho pródigo. São Paulo: Paulinas, 2008.
[5] Teólogo, pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto (Brasília), articulista, escritor. Entre seus livros: BARBOSA, Ricardo. O caminho do Coração. 6. ed. Curitiba: Editora Encontrão, 2011